quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Maurice Garin.

No palmarés Petit-Breton aparece como o primeiro vencedor duplo do Tour, mas podia não ter sido assim. E a história do Tour de France começou com a vitória do melhor corredor que em França naqueles tempos havia - e logo ali o trono do Tour pareceu ser como "a consagração". E assim é ainda. Na fotografia abaixo Maurice Garin, o vencedor do primeiro Tour, com 32 anos, aparece acompanhado pelo seu massagista a fazer uma pausa, dando uma passa. Ao seu lado o filho, com uma bicicleta de brincar. No braço esquerdo a braçadeira verde que distinguia o líder da prova: ainda estava por inventar a camisola amarela.

Maurice Garin nasceu italiano de um casamento misto italiano-francês no vale de Aosta, Itália, sob a égide do Monte Branco. Ele e a sua família emigraram para o norte de França e Garin começou a trabalhar como limpa-chaminés, ainda adolescente, trabalho que, naqueles tempos, era frequentemente entregue a adolescentes, se não muito altos... Maurice Garin era entroncado mas baixo. Ele e os irmãos abriram uma loje de bicicletas em... Roubaix. E Garin começou a correr. Com tempo vieram as vitórias. A primeira vitória foi numa corrida onde era o único amador. Negaram-lhe o prémio. O público fez uma colecta e ele assim acabou por ganhar ainda mais dinheiro. Isto aconteceu em 1894, tinha 23 anos. A loja de bicicletas abriu em Roubaix em 95. 

Maurice Garin foi o vencedor das segunda e terceira edições do Paris-Roubaix. Venceu o Paris-Brest-Paris em 1901. E, após várias tentativas, o Bordeaux-Paris de 1902. Entretanto tinha-se nacionalizado francês. Quando do início do primeiro Tour, em 1903. Maurice Garin era o corredor de bicicletas com melhor palmarés no activo. E portanto o favorito. Do outro lado um corredor cinco anos mais novo, Hippolyte Aucoutourier, vencedor nesse mesmo ano, 1903, das corridas mais prestigiadas, Paris-Roubaix e Bordeaux-Paris. 

Maurice Garin venceu o primeiro Tour de France porque era forte, raçudo, regular. Ganhou a primeira etapa e foi portanto primeiro do princípio ao fim. As seis etapas tinham uma média de 400 km. Aucoutourier desistiu logo na primeira etapa. Estranhamente os desistentes podiam voltar a correr, embora deixassem de contar para a classificação geral. Eram tempos mesmo antigos: não havia equipamento oficial: se alguém decidisse correr de fraque podia, não havia regulamento que o impedisse. Mas já havia equipas: Garin era da "La Française". Aucoutourier aproveitou para ganhar algum dinheiro e... a segunda e terceira etapas. Mas Garin ganhou a quinta e sexta. Chegaram vinte e um corredores ao fim, a Paris. O segundo foi Lucien Pothier, da mesma equipa, Lucien Pothier foi também o primeiro "imediato" a brilhar no Tour. 

A vitória de Garin em 1903 foi celebrada como um feito titânico, e foi. O Tour de 1904 foi outra história.


Depois do êxito de 1903, o Tour de 1904 foi um desastre insurreccional. O público francês estava apaixonado pela "sua" corrida. Mas mais pelos seus corredores favoritos. Houve pancadaria, trapaças, boleias de carro e de comboio, tumultos em vários finais, árvores atiradas para a estrada para impedir a passagem do pelotão. Gerbi, o melhor corredor italiano daqueles tempos, foi "expulso" da corrida a pontapé. Garin escreveu: "eu vou ganhar o Tour, se não me matarem antes." E isto era um retrato do decorrer da prova. 
Maurice Garin acabou por acabar outra vez primeiro, tendo como segundo o seu "imediato" Pothier e em terceiro o seu irmão César Garin, oito anos mais novo. Meses depois Maurice Garin, Pothier, o irmão e mais meia dúzia de corredores, incluindo por ex. Aucoutourier, são desclassificados por "má conduta desportiva". Os relatórios destas decisões desapareceram. Nunca saberemos da justiça ou da injustiça destas decisões. Ganhou afinal o quinto classificado, Henri Cornet, um corredor apenas mediano. Uma suspensão de dois anos fechou o primeiro de muitos escândalos deste desporto e efectivamente terminou com a careirra de Garin, que abriu uma estação de serviço em Lens, onde viveu até ao fim dos seus dias. 

Maurice Garin, le "petit ramoneur", ou "pequeno limpa-chaminés", como lhe chamavam carinhosamente as multidões de antigamente, nunca foi uma figura dominante no crescente mundo do ciclismo. Deu o nome transitoriamente a uma equipa nos anos cinquenta mas pouco depois começou a ter problemas de orientação. Perdia-se em Lens perguntando a quem passava "Onde fica o controlo? O controlo?". Nas corridas antigas havia sítios de passagem onde os corredores tinham que assinar para comprovar que faziam todo o percurso. Morreu em 1957. O velódromo Maurice Garin, construido em Lens nos anos trinta, é destruido em 2012, já quase em ruínas, para abrir caminho à metástase do Louvre, o Louvre-Lens.


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