quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Froome e a Sky ou a Sky e Froome - parte cinco.


A Sky foi criada com o rótulo "zero doping". Vários colaboradores foram despedidos por terem estado no passado associados a práticas dopantes. E aconteceu 2017. Ano em que vários episódios antigos passados dentro da Sky e em grande parte relacionados com Wiggins criaram muita confusão. Com a Sky a ter muitas dificuldades em explicar determinados injectáveis, computadores e registos desaparecidos... 
Froome manteve uma prudente distância em relação a toda esta embrulhada, não sendo particularmente solidário nem crítico. Ele e Wiggins nunca tinham sido amigos. Até que rebenta a história do salbutamol, justamente poucos dias depois de Froome anunciar que iria tentar em 2018 aquilo que desde Pantani, o dopado Pantani, em 1998, ninguém voltara a conseguir: a dupla Giro-Tour, as duas provas mais difíceis do calendário velocipédico.

Devido ao Campeonato do Mundo de Futebol a distância entre Giro e Tour aumentara uma semana, o que em recuperação de um ciclista é muito. Era portanto uma oportunidade única para Froome entrar para a História, ele, ele mais do que a Sky, até porque ano após ano os corredores que a Sky mandava à Volta a Itália falhavam, um atrás do outro. Froome ia pôr fim à maldição da Sky no Tour e fazer aquilo que antes só Coppi, Anquetil, Merckx, Hinault, Stephen Roche e Pantani tinham feito, acedendo assim ao Olimpo do Ciclismo. Mais importante: da sua geração Contador tinha tentado e falhara, Quintana tinha tentado e falhara. E o salbutamol?
Se a Sky pertencesse ao Mouvement Pour un Cyclisme Crédible, que agrupa para aí metade das equipas WorldTour, Froome teria sido automaticamente suspenso de competir. Mas a Sky nunca quis pertencer a um grupo tal, onde seria "apenas-mais-uma". Portanto Froome competiu - teimosia dele ou da Sky? - foi ao Giro e, melhorando a sua prestação à medida que a corrida ia decorrendo, acabou por ganhar com duas vitórias de etapa brilhantes, incluindo um ataque de longe, fulgurante, algo nunca visto em Froome! Era Froome a correr para a história, mesmo! Não a Sky, Froome! Com esta vitória Froome tinha na sua mão as vitórias das três grandes voltas, em sequência - Tour 2017, Vuelta 2017, Giro 2018! Uma equipa estratosférica de advogados conseguiu entretanto dar a volta à UCI  e Froome foi ilibado dias antes do Tour - com um argumentário que de tão espesso era "incomentável". E começou o Tour.

Froome terminou terceiro no Tour, atrás - surpresa! - de Dumoulin e - mais surpresa ainda! - de Geraint Thomas, seu colega de equipa e amigo, apenas um ano mais novo e que corre com ele desde os tempos daquela entrevista ao Cycling Weekly, em 2008. Thomas ganhou o Tour aos 32 anos, a mesma idade que tinha Wiggins em 2012. Como Wiggins Thomas também começara na pista, mas nem era uma super-estrela nem tinha feito antes um top-dez no Tour, só "ameaçado" em 2015. E ja andava na estrada há bastantes anos. Thomas ganhou porque foi superior a Froome a rolar - perdeu menos tempo que todos nas primeiras etapas - a subir, nunca parecendo gastar tudo - e no contra-relógio, que poderia ter ganho na penúltima etapa não tivesse levantado o pé nos últimos kms para dar uma etapa ao amigo Froome, que não aconteceu por segundo e meio. Isto foi mais uma vitória da Sky mas também de Thomas, ainda por cima um tipo bem mais simpático do que o macambúzio Froome.


E agora? 
Já quase nos esquecemos que a Vuelta de 2017 devia ter sido retirada a Froome e atribuida a Nibali. Que Froome não devia ter participado no Tour, ao ser castigado pelos seus níveis de salbutamol, excessivos porque sim, como antes tinha sido por exemplo castigado Diego Ulissi.
Não sei se Thomas irá à Vuelta. Meu Deus, e se ele a ganha?

2019 vai ser um ano interessante para o ciclismo, todos os anos são. Há dezenas de provas, pequenas e grandes, onde o drama, a dedicação e o sacrifício de muitos se perde em derrotas inglórias ou frutifica em vitórias brilhantes, daquelas que fazem brilhar os olhos a nós, os adeptos. O Tour não vai, mais uma vez, ser uma destas provas. O vencedor vai ser um de dois: Christopher Froome ou Geraint Thomas. Como trabalhará a Sky esta dicotomia? A ver vamos.

A não ser que o Tom Dumoulin...

P.S.: esclareço que acredito que Froome corre limpo. Só não correu naquele dia de 2017 onde...

Froome e a Sky ou a Sky e Froome - parte quatro.


Está disponível na internet uma entrevista que Froome deu à Cycling Weekly em 2008. Dez anos depois, a distância entre o Froome de agora e o de então mede-se em anos-luz.

Froome em 2017 fez 32 anos. A idade em que a carreira de um ciclista começa a entrar numa fase "madura". E Christopher Froome começou a achar que tinha chegado aquele ponto da jornada em que devia começar a preparar a sua partida - não no sentido de que iria correr pouco mais anos mas no sentido de modelar e engrandecer a sua imagem, decidir onde ia ficar o seu quadro, em que lugar,  na galeria da glória dos Maiores de Sempre. Pois não era já Froome um deles? Julgo que este raciocínio foi precipitado pela retirada anunciada de Alberto Contador, no fim de 2017.

Aparentemente Froome terá atrasado a sua preparação em 2017 para ir mais forte para a Vuelta. Mas a verdade é que o Tour de 2017 não foi um piquenique no parque. Parece que foi ontem..  pela primeira vez Froome perdeu a camisola amarela durante umas etapas, para o irreverente Fabio Aru. Depois Uran esteve sempre ali muito próximo, muito próximo... E, finalmente o seu lugar-tenente Landa, um poço de força, não lhe era tão tão fiel e certo como fôra por ex. Poels no ano anterior. 
A Vuelta acabou por ser bem difícil de ganhar para Froome porque encontrou pela sua frente um Nibali muito forte. A equipa da Sky era a mais forte que já tinha levado a Espanha: Moscon, Nieve, Poels e David Lopez. Mas aqui e ali Froome pareceu um bocado justito. Chega a 17ª etapa e Nibali saca quase um minuto a Froome, metade da vantagem que este tinha. Esperou-se com ansiedade o resultado da 18ª. Desilusão: Froome termina à frente de Nibali e este resistir setencia a Vuelta. Meses depois viríamos a saber que Froome nesta etapa acusaria níveis de salbutamol na urina 2x superiores ao permitido. Percebem ou querem que eu faça um desenho?

Froome e a Sky ou a Sky e Froome - parte três.


2014 foi o ano horribilis da Sky no Tour. Froome caiu uma data de vezes, pressionado por um Nibali muito cedo de amarelo. Depois Porte tentou mas não conseguiu pegar na bandeira. Froome apontou à Vuelta para salvar o ano. Teve pela  frente Contador, que também caira no Tour, e... perdeu para Contador, o que deve ter doído! 
Froome tornara-se no entanto o voltista de referência da Sky, sem plano B. O seu estilo máquina de costura em alta rotação a escangalhar-se não seria bonito de ver, mas a equação era a habitual para o Tour: dominar nos contra-relógios e rematar nas montanhas. Como seria 2015?

A Sky mandou em 2015 dois escudeiros de Froome ao Giro para ver como corria a coisa: Porte e Thomas. Correu mal. Mas para o Tour a Sky apresentou-se reforçada apreciavelmente, com Kwiatkowski, Leopold Konig e, sobretudo, Wout Poels.
Froome não mandou na prova mas a Sky sim. E a imagem do comboio da Sky montanha acima a dominar nos Alpes e nos Pirinéus, um comboio composto por três e às vezes quatro elementos com Froome atrás tapadinho ganhou aqui especial força. Só na última etapa, quando Thomas desfaleceu,  Froome tremeu e Quintana conseguiu partir montanha acima.  Mas foi demasiado pouco demasiado tarde. Foi em 2015 que a antipatia por este domínio, este sufôco do Tour pela Sky se tornou também uma instituição. Porque lembrava a US Postal de Armstrong. Mas sem Froome a rematar as faenas como Armstrong. A pergunta sempre a pairar: ganharia Froome sem a Sky?
Em 2016 a história foi a mesma, com um Wout Poels imperial - e às vezes a parecer mais forte do que Froome, e em 2017 também, com um Kwiatkowski em superavit e um Mikel Landa também a parecer, aqui e ali, mais forte do que Froome. Uma vez mais, as vitórias eram de Froome ou da Sky? 
Fora do Tour, Froome ganhava cada vez menos. Froome em 2015 ganhara Andalucia e o Dauphiné, em 2016 apenas o Dauphiné. Mas em 2016 voltou à Vuelta. Perdendo-a para Quintana por um deslize da equipa aproveitado por Contador levando Quintana a reboque.

Em 2017 Froome antes do Tour não ganhou nada. E voltou à Vuelta.

Froome e a Sky ou a Sky e Froome - parte dois.

O ano de 2013 foi o primeiro em que a Sky de equipa outsider já entrava no ano como equipa de referência: afinal a Sky tinha conseguido os dois primeiros lugares no pódio do Tour no ano anterior, para além de vitórias em variadas outras corridas de etapas. Wiggins tinha sido o corredor a dominar a época de 2012 e Froome a grande confirmação, após o salto qualitativo de 2011. Ainda em 2012 Froome fôra, pela primeira vez como chefe-de-fila à Vuelta, a primeira de muitas vezes, e acabou em quarto, nitidamente cansado mas confirmando que era um ciclista para "grandes alturas". Lembro que foi esta Vuelta ganha por Contador, no seu retorno ao activo após suspensão por doping. 

Froome dominou amplamente o Tour de 2013. Teve em Richie Porte um fiel escudeiro, mas não precisou dele tanto como Wiggins precisara de Froome em 2012 e nunca lhe pareceu inferior, antes pelo contrário. Froome venceu ainda o Criterium International, a Romandia e o Dauphiné, dominando completamente o ano. A única derrota fôra no Tirreno Adriático, frente a Nibali, numa descida. 
O aparecer de Froome tinha resolvido a dúvida sobre o pos-Wiggins. Nem a Sky sabia o quanto isso era verdade.

Froome e a Sky ou a Sky e Froome - parte um.


A Sky começou em 2010. Na sequência do êxito do ciclismo britânico na pista, a televisão Sky foi convencida a apoiar a criação de uma equipa inglesa de ciclismo de estrada. O Reino Unido tinha até então pouca tradição no ciclismo de estrada, pódiums no Giro e na Vuelta com Robert Millar, um Campeonato do Mundo com o malogrado Tom Simpson.
Na primeira leva de 2010 foram contratados Christopher Froome e Geraint Thomas, antes ciclistas na equipa inglesa / sul-africana da Barloworld. Bradley Wiggins só entrará na equação a sério em 2011. Portanto, Froome e a Sky nasceram um com o outro.
Froome, todos sabemos, nasceu em 1985 no Quénia, filho de ingleses. Passou a juventude na África do Sul e aí começou a correr e a competir, sendo a sua primeira influência o corredor sul-africano Robert Hunter, daí a Barloworld. Correu em 2008 em Portugal, na extinta Volta ao Distrito de Santarém. E em 2009 foi "um prometedor" 36º no Giro. Em 2010 e na primeira metade de 2011 terá estado a combater uma famosa bilharzíase, doença com origem africana. Tratada a coisa, a primeira corrida de responsabilidade de Froome foi a Vuelta de 2011, onde Wiggins ia tentar pela primeira vez ganhar uma prova de três semanas. Froome aguentou onde Wiggins tremeu, bateu-o nas montanhas, no contra-relógio, e discutiu a vitória palmo-a-palmo com um espanhol, Cobo, que, este sim, nunca mais voltou a fazer nada de jeito. Sucederam-se os artigos sobre a surpresa Froome. Escreviam sobre um "natural-climber" que, já em 2010, fora segundo no campeonato inglês de contra-relógio. O anonimato dos primeiros anos de profissionalismo de Froome teriam sido pela tal da bilharziose? A verdade é que Froome revela-se já na "idade do passaporte biológico" e este nunca apitou. O salbutamol viria só seis anos depois. A verdade também é que se a Vuelta de 2011 não tivesse acontecido Froome teria sido despedido da Sky.

Quando a Sky foi criada a ideia era "ganhar o Tour em cinco anos". Aconteceu logo em 2012. E em 2013 e 2015 e 2016 e 2017 e 2018.
Bradley Wiggins já era uma estrela antes de chegar à Sky. Cinco anos mais velho do que Froome, multi-medalhado na pista, em 2009 conseguira um quarto lugar no Tour, surpreendendo tudo e todos, logo atrás de Armstrong. Portanto... se em 2010 Wiggins andou "a pastar" e em 2011, depois de ganhar o Dauphiné, caiu no Tour e tremeu na Vuelta, no Tour de 2012 Wiggins era na mesma o chefe-de-fila da Sky e Froome - a confirmar-se a sua prestação na Vuelta - a sua principal ajuda, o "super-domestique". Quando se fala de 2012 as pessoas esquecem que nesse ano Wiggins ganhou também o Paris-Nice, a Volta à Romandia e o Dauphiné, para além do Tour. Ah, e a medalha de ouro no contra-relógio dos Jogos Olímpicos de Londres. Nem nos seus melhores sonhos a Sky pensaria ganhar tanto tão cedo. E, com a excepção de parte do Tour, nada disto foi feito às costas de Froome. Peso por peso, Froome nunca produziu depois um ano assim. Mas a realidade é o que lembramos: Froome a esperar por Wiggins nas subidas do Tour. Isto demonstrou duas coisas: Froome era o futuro da Sky no que ao Tour dizia respeito, primeiro, e Froome não gostava de esperar por ninguém, segundo.